A menina e seu Pai
A menina estava ali,
paradinha,e pensando:
-
Nossa, como papai é quieto, quase não conversa e quando cumprimenta os outros
na rua só faz um aceno com a cabeça ou quando vai dizer Bom dia!, Boa tarde! ou
Boa noite! Só dizia: “Boooa!”. Algumas pessoas estranham isso. Porque eles
dizem: “Onde se viu um homem tão calado no dia a dia, mas que sabe muito bem
lutar pelo direito dos outros e falar
em reuniões e comícios para tratar de assuntos de interesse público
ou de um grupo de pessoas?! Ah, como ele fala bonito... Ouvi dizer que ele
conhece leis mais do que muitos advogados e a Bíblia Sagrada mais do que muitas
pessoas religiosas.
A menina era uma garota gordinha, de
pele morena clara, estatura baixa e com cabelos negros, escorridos até a
cintura, essa porém falava bastante.
Perguntava sobre tudo, era por que para lá e para cá. Eram tantos os porquês
que algumas professoras diziam:
-
Cala a boca, menina, não atrapalhe a minha aula!
Outras:
-
Onde se viu perguntar tanta coisa? Isso é assim porque
é assim, ora bolas!
-
Você deveria perguntar ao seu pai, já que diz que ele
sabe tanto.
Ela
também sonhava mil coisas: sonhava com
um mundo belo, colorido, cheio de flores, pássaros, doces, crianças para
brincarem com ela, muitos brinquedos e ruas para se divertirem, pensamentos livres leves e soltos...
Na
escola, como já deu para perceber, as
professoras não tinham paciência com ela. Aliás, parece que não tinham com
ninguém, não sei por que escolher uma profissão para trabalhar com crianças
senão têm jeito para isso, não é mesmo?
O
pai da menina sim, respondia tudo e a chamava de Emília, referindo-se à
personagem da obra Sítio do Picapau Amarelo, pois além de curiosa, ela
também era questionadora e pirracenta. Teimooosa... Quando não faziam o que ela
queria, batia o pé e ficava com um bico
enorme.
Muitas
vezes a menina pensava:
-
Meu pai não faz carinhos na gente como
os outros , não beija, não abraça e nem sempre e, só algumas vezes, pega a
gente no colo.
Este, entretanto era de um coração tão bom que
isto dava para compensar essas falhas, pois ele não brigava com ela e nem com o
irmão, não batia e nem os deixava de castigo, talvez porque também não
precisasse. Quando eles eram pequenos achavam que o pai deles era o tio e o tio
era pai, pois este se ausentava muito do lar por causa do trabalho e para ir à
reuniões políticas, só que eles ainda não entendiam isso. Um dia a menina e o
irmão descobriram que o Papai Noel deles era o tio, aí que passaram a achar
mesmo que ele fosse o pai, engraçado não é?
Algumas
vezes, a menina queria fazer perguntas ao seu pai e acabava nem fazendo, pois
via que ele estava muito atento à leitura de algum livro ou jornal. Pois o que
ele gostava muito de fazer era de ler
para adquirir muitos conhecimentos sobre política, religião etc e também
lia para a menina e seu irmão.
Sabem
que antes mesmo do seu irmão mais velho nascer, seu pai já havia comprado toda
coleção infantil do Monteiro Lobato, que seria do primeiro que nascesse. Como
seu irmão teve a sorte de nascer primeiro ficou com ela. Ele também ensinava
muitas coisas por meio de suas ações, pois estava sempre pronto para ajudar os
outros, não matava bichos nem pequenos nem grandes. Mesmo que deitasse muito
tarde não hesitava em levantar cedo para ir ao trabalho, era muito educado com
as pessoas, até com aquelas que lhe tratassem mal, não dizia palavrões,
respeitava as pessoas e as aceitava como eram e estava sempre disposto a
perdoar as falhas alheias.
Um
dia a menina perguntou:
-
Pai, por que você não mata cobras e nem outros
bichinhos?
-
Porque são vidas, minha filha – respondeu-lhe o pai.
-
Ah.
Um
dia, quando a menina já estava com quase
dez anos, recebeu uma notícia de sua mãe:
-Filha,
você vai ganhar uma irmãzinha ou irmãozinho e ela ficou muito feliz, mas depois
com um pouco de ciúmes, pois passou a receber menos atenção.
...
Quando
a menina começou ir à escola foi um tormento para ela e para a família.
-
Menina – dizia a professora – você precisa decorar as lições da cartilha!
Sua
mãe também ficava brava.
E
ela pensava:
Eu não gosto disso, não tem graça esse monte de
palavras sem nada a haver uma com outra. Eu quero coisa diferente.
Na
verdade, ela queria aprender a ler logo,
mas para ler a coleção do Monteiro
Lobato e os livros que o pai dela lia, só não queria ler a cartilha. Ela não
sabia explicar, mas ela achava muito chato tudo aquilo, como que podia aprender
a ler umas coisas estranhas, ter que misturar bolas, com bois e barrigas? E
ficava imaginando como seria escrever o nome de vários brinquedos, bichos e coisas em momentos separados. O pai até que entendia as razões da menina. O
que ele não entendia é por que ela não gostava de estudar História do Brasil e
a menina também não sabia explicar que
era porque a professora ensinava coisas diferentes das que ela lia nos livros
do seu pai, os quais contavam Histórias verdadeiras.
Ah, a menina também gostava muito de
inventar histórias, inventava cada uma...
Um
dia ela disse para mãe:
-
Mãe, minha amiga falou que a avó dela de setenta e
dois anos teve um bebê!
De outra feita ela disse
que ouviu no rádio que em algum lugar do mundo a temperatura tinha chegado a
100ºC.
Certa vez, ela até apanhou
porque inventou uma história envolvendo professores e colegas e na sua casa
todos acreditaram, mas quando seu pai descobriu a verdade deu uma surra nela,
foi a segunda e última surra que ela levou dele. Mas ele não sabia que a
menina, um dia, viria adorar inventar histórias e que não teria a mesma
imaginação de quando era menor, pois ela ficou tão chateada que nunca mais
mentiu e nem aceitava mentira de adultos. Então ficou mais difícil para ela inventar
as histórias. Mas ela nunca deixou de tentar e adorava contar e ler histórias
que achava nos livros.
Teve
uma época que o pai dela ficou muito tempo longe de casa, pois como ele lutava para todos terem
direitos iguais, como moradia, estudo, alimentos etc, era mal visto pelas
pessoas ambiciosas e exploradoras de pais de famílias, mães e crianças. Foi nessa época que ela começou a perceber o quanto ele era corajoso.
Depois
de alguns anos ele foi preso, torturado pela polícia militar, pois naquela época
(?!) era proibido dizer a verdade sobre o que acontecia de ruim no país, mas
não denunciou nenhum companheiro e a menina começou a ver o pai como um herói,
só que não podia comentar com os amiguinhos e nem com gente grande, bem lá no fundo ela sabia que ele era um grande
homem e queria mudar toda aquela História.
Quando
ela já estava moça e se formou na oitava série, seu pai estava preso e ela
disse-lhe:
-
Que pena, pai, você não poder ir na minha formatura.
Ele,
então, respondeu:
- Quando você se formar no
Ensino Médio, que naquela época era colegial, iremos nós cinco jantar fora.
Quando
ela se terminou o segundo grau, ele
estava novamente preso. Apesar de chateada, ela compreendeu.
Ela
só não conseguiu entender uma coisa:
-
Por que ele não veio na sua festa da sua formatura do Curso Superior.?
Como
ela já era adulta, acabou entendendo que.
às vezes, as pessoas assumem compromissos que não podem ser desmarcados
ou por algum motivo não se sentem
dispostas.
Nessa
época ela já era casada e mamãe de um casal de adolescentes e com o
relacionamento conjugal em crise.
O
que a menina-mulher achou bom mesmo, foi quando ela precisou se separar do
marido e o seu pai deu a maior força, até pagou advogada para ela.
Um
dia, ela resolveu que queria fazer especialização em Literatura Infanto-Juvenil
e pensou:
-
Como fazer se não tenho dinheiro nem para pagar
aluguel?
Comentou
com o seu pai e ele disse para ela que escolhesse a faculdade e pagou-lhe o
curso todo.
-
Não acham que isso foi mesmo que foi incrível?!?!
Ah,
o que seria dessa menina sem esse pai maravilhoso...?
Ah.
Ela também tem mãe, viu? Que sempre foi muito preocupada e prestativa, pois
quando menina nasceu tinha problema de saúde e se não fosse a mãe dela correr
atrás de médicos e tratamentos, seria impossível a menina estar escrevendo isso
hoje. Quando o pai dela precisava fugir
do exército ou ia preso, quem cuidava de tudo no lar era a sua mãe e também e
se alguém falasse mal de seu pai, ela
era a primeira a defender o marido, embora não entendesse bem porque ele se
sacrificava tanto pelos outros.
Hoje
esta menina já uma senhora, é professora de Língua Portuguesa e procura dar
aulas dinâmicas, com conteúdos
necessários para que seus alunos construam seus conhecimentos, mas que os
agradem. e o preparem para a vida.
O seu
pai? Bem, o seu pai continuou na luta por um mundo melhor e a ajudá-la sempre
que possível e necessário.
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