Minhas memórias de meu Pai
Muita Paz à todos.
Hoje pretendo publicar um texto em homenagem ao meu pai e o título dele é:
Minhas memórias de meu Pai
PREFÁCIO
Como é duro
escrever algo... Confesso que nem sei como começar. A dificuldade já começa no
título, poderíamos escrever um livro inteiro de tentativas.
Digamos de passagem que este título me é muito
significativo, talvez não ao leitor amigo que ainda não conhece a história de
papai e aqueles que não sabem da minha identificação com a personagem Emília e
seu criador – Monteiro Lobato. Talvez parafraseando a obra de Luciana Sandroni Minhas
memórias de Lobato pensei no título
de Minhas memórias de meu pai.
Bem, só mais uma
observação: me prontifiquei a
fazer isso porque sempre pensei em escrever algo sobre a vida atribulada e
heróica do meu pai, também porque
disseram que sou capaz de escrever algo útil e estou tentando acreditar nisto e
registrar acontecimentos que passarão da memória de algumas pessoas como fatos
que ficarão na história juntamente com tantos outros que são semelhantes em
alguns pontos e divergem totalmente em outros, pois a vivência de cada um é
única. Segundo Bergson espero trazer a memória pura trazendo à luz as
experiências do passado.
História desta memória
Meu pai, a pedido de um amigo, já havia iniciado a escrita de suas memórias.
A importância desta é muito grande pois retrata uma
fase da História do nosso país e a luta de muitos brasileiros como meu pai, que
fez parte da mesma, e, com sangue e suor, unindo forças, conseguiram mudar o rumo da nossa História.
Oxalá eu consiga estruturar os dados coletados e
escrever de maneira tal que não fique enfadonha esta leitura, que desperte a curiosidade do leitor e o leve
a buscar novos fatos da História a partir daqui. Entretanto o mérito desta há
de ser de meu próprio pai.
Contudo,
para que haja um melhor entendimento, é necessário que se faça um retrospecto
na História de nossa pátria amada, desde a época do nascimento , que já foi
marcada por momentos difíceis. Aliás, da maneira como nosso país foi invadido e
conquistado, foi necessário muitas lutas para a defesa da nossa pátria e dos direitos
do povo a quem de fato pertenciam estas terras. Sempre houve um massacre dos
cidadãos brasileiros e isso começou com os índios, que, segundo os portugueses,
não eram filhos de Deus. Eles eram exterminados e suas carnes servidas aos
animais domésticos.
Entretanto antes de iniciar essa retrospectiva à
História do país, obedecendo ao desejo de meu pai, que havia feito esta
introdutória em seus escritos vou citar um físico de grande valor para este e seu transcrito, entre
aspas, com pequenas correções e a colocação de que se possível fosse fazer esta
viagem no tempo, bem mais fácil seria
escrever suas memórias.
Mário
Novello
Mário Novello, grande físico que nos apresenta “O círculo do tempo”.“A Filosofia nasce sob a
força de um desejo, desejo de eternidade, recusa obstinada do tempo. Platão e
Aristóteles são os seus sacerdotes radicais, adversários da doxamania, em
oposição permanente à opinião e a sensação que são mutantes e buscam o saber
imutável do ser imutável. Este é um dos motivos do nascimento da teoria das
idéias. Aquelas de natureza eterna, que permitem a constituição do conhecimento
e do saber. As ciências prolongam a filosofia clássica, esta filosofia clássica
– é a razão pela qual as estelas se mantiveram fixas por tão longo período...
mas de Galileu ao século XX houve uma viagem – a entrada do tempo nas
filosofias, nas ciências e nas artes. Virtuais, fractais e figurais, conceitos
filosóficos, proposições científicas e afetos sensíveis entronizam o tempo e
tornam-nos senhores de nossa perplexidade.
Mário Novello é um cientista e como tal entre a
sofisticação da matemática e as alternâncias do movimento da física, por
exemplo, se apropria de curvas do tempo, que violam as nossas certezas, que
envolvem a questão temporal, a de que um corpo só pode viajar para o futuro,
afastando-se do passado. Godel introduz a curva do tipo tempo fechada, que
tornam possível descrever tecnicamente o
que se chama viagem ao passado. À diferença do pensamento antigo, que subjuga o
tempo às variáveis do movimento, existem curvas aceleradas que tornam possível
a um observador que se movimenta sobre esta curva retornar a seu passado. ‘Umas
séries crescentes de dificuldades teóricas libertam o tempo’, afirma o pensador
moderno Mário Novello, com seu sonho de universo centrado, labirintos de luz,
para uma viagem quase sem fim do espírito, em que cálculos e demonstrações matemáticas
misturam-se como o desejo do tempo. Com o desejo do tempo puro. É o campo
teórico em que o mais criativo se identifica em um plano de referência
desprovido de consistência ‘Godel’. E o paradoxo como diz o filósofo, torna-se
a mais alta paixão do pensamento e não devemos pensar mal do paradoxo porque é
ele a paixão do pensamento e um pensador sem paradoxo é como o amante sem paixão.
De modo nenhum é o caso de Mario Novello, um cientista apaixonado, brilhante,
rigoroso e criativo”.
O Brasil de “Getúlio Vargas”
Ou, pelo menos, ele deveria achar que fosse (sic!)
Em 1930, ano seguinte ao nascimento de papai, o Brasil
passava por uma fase política marcante. Neste ano estavam realizando eleições e
o Sr. Getúlio Vargas havia saído como candidato à Presidência da República.
Foi derrotado por Júlio Prestes e, como não
reconheceu a situação, deu um golpe
militar, destituiu Washington Luiz e
assumiu o poder.
Isto fez com que a família de meu pai, Jano Ribeiro,
saísse de Lorena, que é a cidade onde ele nasceu, viesse a residir em Mogi das Cruzes e
posteriormente se transferisse para
capital.
Moraram primeiramente, se a memória não o estiver
traindo, na rua Conde de Sarzedas, próximo ao centro velho da capital e nesta
época o meu avô paterno, Sr. Joaquim Batista Ribeiro, já não estava mais ligado
a esta família.
Por volta de 1932, época em que os paulistas começaram
a exigir a volta do estado de direito, partindo para a Revolução
Constitucional. Fase que foi relatada por Cora Coralina em uma de suas obras
(?), na qual ela descreve a intensidade do espírito legalista que estava
arraigado na juventude estudantil e nas forças mais conscientes da sociedade
paulista, pois que até as crianças
passaram a dar sua colaboração nesta luta.
Como pode-se perceber foram anos difíceis para esta e
muitas outras famílias brasileiras.
Depois disto a família passou a residir na Rua da
Moóca, e tanto meu pai, como meus tios estavam sob os cuidados da avó materna,
Maria de Mattos Cavalcante, pela qual ele tem grande apreço.
Sem a companhia
do esposo, minha avó paterna, Jacira Cavalcante Ribeiro, resolveu procurar outra companhia, passou a morar com um companheiro, Sr.
Ameleto Francischelli e levou os três filhos: Jano, Janil e Janei a morarem com ela. Dessa união nasceu outro
filho, Arsênio Francischelli. Passaram a residir, então, na Rua Domingos de
Oliveira. Época em que São Paulo tinha sua ecologia respeitada, se não
totalmente, mas com a possibilidade de se encontrar água límpida nos rios, mas
em que começou sua transformação com a vinda do Jóquei-Clube para perto da Rua
dos Trilhos e algumas indústrias pequenas começaram a se localizarem na Moóca,
Brás e Belém.
Golpe de 45
Outubro de 1945...
Um fato inesperado acontece...
O golpe militar comandado por Dutra
e Góes Monteiro, apoiado pelas forças conservadores e do imperialismo. Getúlio
Vargas é deposto
Isto levou meu pai, com apenas
dezesseis anos, e muitos outros, às ruas para
protestarem
Como?! Muitos devem estar pensando, achando que haja
alguma incoerência nos fatos, mas não.
Vejamos.
Era época de guerra, dificuldades tremendas, filas
para comprar qualquer coisa que fosse. Filmes que mostravam a força do
imperialismo alemão contra o comunismo e o ataque aos judeus pobres, pois a
visão que se tem é que os ricos eram protegidos
dentro da classe capitalista e o que mais impulsionou Hitler a atacar os
judeus foi a derrota contra a União Soviética.
Os capitalistas de outros países apoiavam o
imperialismo alemão que se propunha a derrotar a URSS. Cujos planos divergiam
dos outros países imperialistas, pois o mesmo resolveu ampliar suas fronteiras
antes de atacar seu foco principal.
A Polônia foi invadida e o rumo das coisas mudaram. A
URSS, que havia feito um acordo de paz com a Alemanha, sendo invadida por esta,
passa a revidar a investida do imperialismo alemão e os outros países
imperialistas, como EUA, Inglaterra, França, os quais ficaram aguardando para
combater as forças alemãs, italianas e japonesas.
Getúlio Vargas havia se posicionado, mesmo sob
pressão, contra as forças do eixo,
sofreu este golpe do imperialismo americano.
Passado os primeiros dias deste, as forças
interessadas nas eleições conseguiram que ela fosse realizada a dois de
dezembro do mesmo ano. Isto propiciou um certo clima de liberdade burguesa, até
que o imperialismo voltasse a atacar. No dia sete de maio de hum mil novecentos
e quarenta e sete é cassado o registro do Partido Comunista do Brasil, as
outras forças da política, como na
Alemanha nazista, foram poupadas, isto
permitiu que os debates políticos continuassem e tanto a Praça da Sé como a
Praça do Patriarca se transformaram em locais de debates políticos.
Foram nestes debates, onde as pessoas
não se limitavam somente a discutirem sobre política, mas também,
ciência, filosofia, religião... , enfim tudo o que preocupava-lhes. Papai se
interessou tantos pelos encontros e se envolveu a tal ponto de lagar os
estudos. Foi ali que conheceu pessoas
das mais diversas posições e com profundos conhecimentos em filosofia e
política o que o fez passar a freqüentar
a Esquerda Democrática, o Centro Cultural dos Anarquistas, que ficava na Rua
José Bonifácio e com isto teve a oportunidade de conhecer melhor a tendência
política e filosófica.
A Esquerda
Democrática foi transformada pela luta daqueles que queriam um posição mais
clara sobre o socialismo. Dela faziam parte ex-membros dos movimentos
progressistas como: Alípio Corrêa Neto,
Cid Franco, Domingos Taveira, Aristídes Lôbo, João Mangabeira, Fúlvio
Abrahmo, Costa Corrêa Neto, professor Lobato, Nicola Cinapoli e tantos outros
que tiveram atividades políticas em outras organizações.
Devido sua enorme dedicação, papai
foi eleito para responder sobre o movimento sindical do então Partido
Socialista Brasileiro e aí começou a sua atividade que iria confrontar com o
Estado Capitalista.
Partido Socialista Brasileiro
Vinte e sete de setembro de mil
novecentos e quarenta e oito.
Contando com a idade de dezenove
anos meu pai assumiu o cargo de servente
extranumerário diarista, para ter exercício na R-5, a contar da presente, Departamento da
Receita. Emprego que foi-lhe arranjado pelo deputado Ozair Mota Marcondes,
eleito para Assembléia Legislativa de São Paulo, pela legenda do Partido
Socialista Brasileiro.
Papai sempre procurou levar sua vida
ao lado da classe operária e do povo.
Observe, caro leitor, as informações
do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) a seu respeito algum anos
depois:
JANO RIBEIRO = filho de Joaquim
Batista Ribeiro e de Jacyra Cavalcante Ribeiro, nascido aos 29/04/1929 em
Lorena – SP – Residente na Rua Coimbra, 462 (Na época em que foi editado este
relatório nós já residíamos em Diadema, à rua Coimbra 462, Pque 7 de Setembro).
Conforme relatório de 13/01/1949, o epigrafado fez uso da palavra no comício
que o PSB realizou no ano anterior, em frente a indústria Orion S/A, dizendo,
entre outras coisas, que o atual Ministro do Trabalho é um salafrário e que não
corresponde aos anseios do operariado. Discursando no comício que o PSB fez
realizar no dia 21/01/1949, na Vila Guiomar, em Santo André, JANO RIBEIRO,
secretário da Comissão de SP, concitou o povo a lutar abertamente pelas
eleições sindicais contra os Tribunais de Emergência e pelo direito de greve.
Afirmou que os sindicatos, pela forma como se encontram, quando se apresentavam
para tratar de reivindicações, esses sindicatos eram os primeiros a taxá-los de
“comunistas”. Citou como exemplo, companheiros seus da E.F.S.J. que por pedirem
aumento de salários, foram injustamente presos e encarcerados. Concitou os
operários a lutarem por uma “Frente Operária” a fim de combater a carestia de
vida. Atacou em seguida o Sr. Honório Monteiro, Ministro do Trabalho, taxando-o
de demagogo e reacionário.
Citado em relatório de 09/09/1950,
como funcionário da Secretaria da Fazenda e como fervoroso adepto do
socialismo, fazia uma força tremenda
para divulgar os jornais do PSB, pois seu irmão menor era proprietário de uma
banca de jornal na Rua Xavier de Toledo, a quem instigava a aumentar as vendas.
Relatório sobre a conferência que o
Sr. Walter Schubert proferiu na noite de 17/04/1952, no Conservatório Dramático
e Musical de SP, subordinado ao tema “O Segredo da Felicidade”, diz que a certa
altura, foi aparteado pelo indivíduo JANO RiBEIRO – residente à Rua Pérsio
Azevedo, 53 – Penha, que sofre das faculdades mentais dizendo textualmente em
altas vozes “é mais fácil um elefante passar um buraco de agulha do que um rico
ir para o céu”, foi convidado a se retirar. O que foi feito com o auxílio do
relatante. Assinante do Jornal comunista “HOJE”, conforme relação de maio de
1952, a qual consta como endereço Rua Pérsio de Azevedo, 53 – Penha – Capital.
Analisando todos estes relatórios do
DOPS, papai chegou a conclusão de que eles não deveriam ter nada a fazer, pois
ficavam vigiando o cidadão que pagava seus impostos e isso o levou a
certificar-se de que o Estado não passava de defensor das classes dominantes e
que, em cada etapa do desenvolvimento político e econômico, este Estado se
apresenta de formas diferentes, o que pode ser constatado pelo período de
ditadura militar que o país foi mergulhado pelo imperialismo americano e cita
os livros O Príncipe de Maquiavel
e As origens da família, e propriedade privada e o Estado de Friedrich Engels.
Nova
arbitrariedade do DOPS
Depois do ocorrido anteriormente,
papai foi para o Paraná e lá casou-se no dia 06/05/1953. Quando retornou a São
Paulo, em maio de 1954, com mamãe, Dna Avelina Lopes Ribeiro, que estava
grávida do primeiro filho, foram morar na Rua Professor Afonso Bovero, nº 510,
apto 05- Sumaré – SP, capital. Onde ela trabalhava como empregada doméstica e
ele na “EDITORA BRAZILIENSE LIMITADA”, situada à Rua Barão de Itapetininga, 93
– 12º andar, como cobrador da referida firma.
Neste local ele teve a oportunidade
de ler vários livros do dono do apartamento e os temas sobre ciência e
literatura geral lhe foram de grande ajuda, pois o mesmo só havia terminado o
1º ginasial (o que teoricamente corresponde atualmente a 5ª série do Ensino
Fundamental, pois apesar de toda burocracia, repressões e exclusões, o nível de
ensino era muito superior ao atual).
Vou
fazer um adendo e relatar um fato interessante que mamãe nos contava quando
éramos pequenos, o mesmo está relacionado
a dedicação de papai à vida política e a vida árdua que ele e mamãe
levavam. Desde quando papai retornou a São Paulo, retomou a luta pela igualdade
dos direitos. Mamãe já estava em estado avançado de gravidez e, como muitas
vezes papai passava a noite em reuniões, mamãe, após um dia inteiro de trabalho
e em estado de gestação, ia dormir e, como só tinham uma chave, jogava a chave
do lado de fora do cômodo para papai poder entrar. Entretanto muitas vezes ele
não voltava, porque as reuniões terminavam tarde demais ou ele tinha que se
esquivar da perseguição do exército.... Isso fazia com que mamãe tivesse que
pular a janela para pegar a chave. Meu irmão mais velho, Carlos Lopes Ribeiro,
nasceu no dia 20/12/1954.
No dia 23/08/1954 papai distribuía
um manifesto quando foi preso, novamente, pelo DOPS.
O conteúdo do
manifesto era o seguinte:
“Aos trabalhados e ao Povo.
Os sindicatos de trabalhadores por
intermédio de seus Presidentes abaixo assinados, atendendo as deliberações de
assembléias gerais, levam ao conhecimento dos trabalhadores das Cidades e do
Campo, e ao Povo o que se segue:
a) Fica decretada a greve geral de 24 horas, em
princípio, para o próximo dia 2 de setembro. Terá início a meia noite do dia
1º, devendo encerrar-se às 24 horas do dia 2.
b) Reivindicamos aumento de salários nas seguintes bases:
de CR$1.190,00 a CR$5.000,00, aumento
de CR$1.100,00; além de CR$5.000,00, 20% de aumento, em teto, sem assiduidade,
sem descontos de alimentação ou quaisquer outras cláusulas restritivas.
c) Exigimos do Governo o congelamento dos preços dos
seguintes gêneros: -arroz, feijão, carne, café, pão, leite e banha, na base dos
preços vigorantes em 1º de maio próximo passado.
Temos
a certeza de que nossas reivindicações são sentidas e contaremos com o apoio de
todos os trabalhadores, no que se refere ao aumento de salário e o congelamento de preços. A luta pelo congelamento
de preços é uma reivindicação sentida pela maioria do nosso povo como:
OPERÁRIOS E CAMPONESES; TRABALHADORES E DONAS DE CASAS; ESTUDANTES E
INTELECTUAIS; COMERCIANTES E PEQUENOS INDUSTRIAIS, pois todos sofrem as
conseqüências das elevações dos preços dos gêneros alimentícios, das
mercadorias, das matérias primas, ,impostos e máquinas.
Companheiros:
Só conseguiremos a vitória das
nossas reivindicações, através da unidade de ação. A organização nos locais de
trabalho e nos Sindicatos, que é a base principal, é a melhor garantia de
vitória. Avante.
NÃO
ASSINEMOS ACODOS EM SEPARADO.
TUDO PELO CONGELAMENTO DE PREÇOS
PELO AUMENTO DE SALÁRIOS.
VIVA A GREVE GERAL DO DIA 2.
VIVA O PACTO DE UNIDADE.
VIVA O OVO
UNIDO COM OS TRABALHADORES.
REMO FORLI Presidente
Sind. Trab. Metalúrgico
NELSON RUSTICI Presid. Sind. Trab. Têxteis
CELGIO VALVASSORE Presid. Sind. Marceneiros
GABRIEL GRECCO Presid. Sind. Trab. Gráficos
JOAQUIM
G.G. FILHO Presid. Sind. Trab.
Hoteleiros
PEDRO
GILARD FILHO Presid. Sind. Trab.
Construção Civil
MANOEL
VALERIANO FELIX Presid. Sind. Trab.
Lacticínio
E OUTROS DA CAPITAL E DO INTERIOR”
A seguir papai transcreve o que
declarou no interrogatório do DOPS:
“Não pertenceu nem pertence ao
extinto Partido Comunista do Brasil, nem mesmo em sua fase legal, pois, na
legalidade do referido partido, o declarante já pertencia ao Partido Socialista
Brasileiro, sendo que, atualmente não pertence
a partido algum. Atualmente a política do declarante é a política
sindical, pois, já está regularizando sua situação junto ao Sindicato dos
Comerciários. Foi detido na Praça da Sé, cerca das vinte e duas horas, quando
fazia a distribuição de boletim já citado acima. Segundo o declarante ouviu, a
sua detenção se verificou sob a alegação de que estava fazendo comício na
referida Praça, porém, não fez mais que distribuir o citado boletim,
referindo-se a aludida greve. Na opinião do declarante a greve não é
necessária, pois, o que realmente interessa a todos é o congelamento dos preços
de primeira necessidade. Com relação à propalada greve quer deixar bem claro
não é propriamente contra a greve, pois sem ela não haverá congelamento de
preços, conforme se vem verificando”
Houve outras perguntas sobre fatos de sua atividade
política.
Logo depois da
greve, papai começou a se interessar por conhecer o programa e o estatuto do
Partido Comunista Brasileiro. Como já tinha pertencido ao PSB, teria que
recomeçar sua atividade política e tendo escolhido lutar pela implantação do
comunismo, nada mais lógico que procurasse um partido que o seu relacionamento
internacional estivesse ao lado do socialismo, isso é, que apoiasse a URSS.
Aquela parte do mundo, que em 1917, conseguiu levar, por meio de pressão das
massas, que vinha desde 1905 procurando uma saída para viver uma vida de paz,
trabalho e justiça social, que
transformou-se em realidade, com um dos maiores gênios VLADIMIR ILICH
ULYÁNOV (LENIN) à frente do Partido Comunista da nova URSS.
Depois de ter lido o Manifesto de
agosto de 1950, seu maior referendo foi a política em defesa da paz e do
socialismo, isto justifica ele não ter lido até então as obras do marxismo. Ele
afirma ter feito a escolha correta, pois a partir desta data teve acesso as
revistas do seu partido e outros da mesma linha de pensamento e também sentiu a
necessidade de ler livros sobre a história nacional e internacional, além dos
jornais do partido feitos na URSS. Segundo papai, tendo a frente o partido é
possível provar que se pode atingir o comunismo. É imprescindível ter em mente
que essa luta é de vida para os povos e de morte para o imperialismo. Ele
alerta: que avanços e recuos são
próprios da luta, assim como foram de
todas as transformações, desde o regime escravagista, feudal e, não será
diferente, a do capitalismo, a qual porá fim a luta de classes.
Outro
relatório do DOPS
Antes de passar para o mesmo, devo dizer que nasci em
29/12/55. Nesta época meus pais moravam num cortiço no bairro de Pinheiros e a
vida não era nada fácil para ambos. Mamãe trabalhava de doméstica e nos deixava
na creche durante o dia e papai trabalhava bastante e se dedicava à luta por um
mundo mais justo.
"Relatório referente à assembléia que os
comerciários levaram a efeito no dia 21/11/57,
para tomada de posição face ao aumento concedido à classe e possível
represália patronal, diz que JANO RIBEIRO, sindicalizado, vulgo 'carioca' usou
da palavra concitando os comerciários a que não trabalhassem à noite nos meses
de fesas e que se unissem em torno do sindicato para obtenção da vitória final.".
Palavras de papai perante o ocorrido: "Quero
mostrar que o aparelho do estado capitalista só vê o que interessa a eles e dão
milhas daquilo que roubam dos trabalhadores aos dedos duros. Vejam que esse
infeliz sem capacidade ou com medo do trabalho, informa que eu, JANO RIBEIRO,
falei na assembléia me dando um apelido, vulgo 'carioca', só um idiota poderia
ter a capacidade de dizer isso, pois para falar tive de apresentar minha
carteira do sindicato e não haveria necessidade de usar nenhum nome falso, ainda
que na luta de classe isso deva ser normal, pois é menos vergonhoso que a fome,
a miséria, as guerras sujas do imperialismo que os patrões levam aos povos
ainda iludidos com seu anticomunismo.".
A
campanha de Juscelino
Papai participou ativamente na campanha de candidatura
de Juscelino, pois acreditavam que isto
poderia avançar as conquistas democráticas no regime burguês.
Após a vitória de Juscelino, na qual
foi fundamental a participação do partido. Isso nenhuma força política poderá
negar e também a tentativa frustrada de golpe com a intervenção das forças
legalistas, tendo a frente o Marechal LOT, possibilitou a posse de Juscelino
como presidente, no período de 1956 a 1960.
Segundo papai, quanto as
liberalidades, eles acertaram, mas do ponto de vista da luta para o comunismo
não avançou muito, pois a capacidade de análise deles os levou a se descuidarem
de um trabalho mais profundo junto ao proletariado no sentido de tomar em suas
mãos a reforma agrária e a luta contra a carestia. Passou o proletariado ver só
suas reivindicações de salários e aquelas que mais de perto eram consideradas
os seus interesses. Os militantes sentiram-se incapazes de verem o estágio real
da luta pelo comunismo e lembraram-se que não bastava boa vontade dos mesmos,
mas uma política real que levasse à derrota do capitalismo. Ao seu ver isto só
será possível quando se começar a luta
ao lado dos índios, exigindo a demarcação de suas terras tomadas à força desde
a invasão portuguesa. Outra questão é a da escravidão negra. Juntando estas
questões, vê-se que enquanto não se fizer como bandeira da reforma agrária,
como centro das atividades do partido, junto com o proletariado e todas as
forças que não aceitam essa opressão, estar-se-á atrasando a vitória final pelo
comunismo.
Outro fato que demonstra a
necessidade de se colocar claramente os objetivos do socialismo, para que não
ocorra as massas aceitarem soluções apresentadas pelas forças da Social
Democracia. Fato este que permitiu o aparecimento de JÂNIO DA SILVA QUADROS, que
partiu de suplente de vereador, a prefeito, depois a governador e em 1960 foi
eleito Presidente da República com o falso lema da moralização da política.
Isso levou as massas a acreditarem que as questões de seus sofrimentos não eram
o imperialismo do EUA, nem as estruturas agrárias a serviço do mesmo
imperialismo, que era motivo real de toda sua desgraça.
Foi mais um ano de luta para tentar,
no mínimo, garantir as liberdades burguesas, pois todos lembram, o golpe
teatral, fruto de conchavos que ele, JANIO QUADROS, fez antes das eleições,
juntando as forças mais heterogêneas para poder derrotar a candidatura do
Marechal Lot.
Mais uma vez se tentou garantir a
liberdade burguesa, porque o eleito com uma grande maioria iludida pela sua
demagogia, fez o país, em menos de um
ano, ficar sem governos, devido ao uso e abuso da demagogia e não
encaminhamento de nenhum dos problemas que sempre afligiram nosso povo. Houve
uma grande batalha pela posse de JANGO GOULART.
Papai
ou titio?
Mais uma vez interromperei o quadro político para
citar acontecimentos de nossa vida familiar: Lembro-me que quando contávamos,
eu e meu irmão mais velho, com a idade de 3 e 4 anos, respectivamente. Devido
as ausências constantes de papai junto à família, pela luta contra as desigualdades
sociais, e também pelo motivo de meu tio Arsênio, irmão de papai, morar em nossa casa antes de seu casamento
com a prima da mamãe, chamávamos o papai
de tio e o titio de pai.
Um dos motivos que reforçava essa
idéia, é que papai dizia que Papai Noel
não existia e que se assim fosse ele seria muito injusto. Então começamos a
ficar desconfiados e, próximo ao Natal, começamos a fingir que dormíamos e vimos meu tio
Arsênio colocando presentes nos pés de nossa cama, já que a família não tinha
por costume montar árvore de Natal. Isso reforçou a nossa imaginação infantil
de achar de titio era o nosso papai e também Papai Noel.
Depois que crescemos mais quem nos
dava os presentes de Natal, em dinheiro, todos os anos era o pai do tio
Arsênio, o Sr. Omeleto, que era avô, apenas, da nossa prima Rosana. Hoje em dia
é papai que dá presente em dinheiro para seus netos, mesmo para os que já
passaram dos vinte anos.
Devo acrescentar que descobrirmos
que Papai Noel não existia, pelo menos não da maneira que costumam
caracterizá-lo, não nos trouxe trauma algum,
ao contrário reforçou a idéia das injustiças e diferenças sociais.
Nossa
ida para Diadema
Passamos a residir em Diadema em
agosto de 1961. Diz a mamãe que foi no dia da renúncia do JANIO QUADROS. Eu e
meu irmão mais velho iríamos completar 6 e 7 anos respectivamente.
Foi época de grandes dificuldades,
também. A casa em que fomos residir era
de tijolos, sem acabamento, através dos
quais podia se ver o lado de fora e na época do frio sofríamos muito,
ainda porque o chão era de terra batida. Depois foi construída uma outra casa
que também demorou muitos anos para ter
acabamento. Lembro-me que mamãe tirava
água do poço com sarilho e tinha que subir uma escada de pedreiros, com balde
cheio, para levá-la para o interior da
casa.
Quando fomos lá morar, não tinha
luz. Papai que, junto com outros
moradores, batalhou para conseguir puxar a rede de energia elétrica e
abastecer aquela região, pois a energia elétrica e as linha de ônibus só chegavam até onde hoje
é o centro da cidade, ou mais especificamente até a região da Praça da Moça,
onde tinha um colégio de freiras - por sinal não costumavam por em prática o
que aprendiam nos Evangelhos, pois lembro-me de uma ocasião que fiquei com
muita vontade chupar jabuticabas e mamãe foi pedir-lhes para que dessem ou
vendessem algumas, entretanto as mesmas se negaram a fazê-lo. Mamãe e eu saímos
de lá muito decepcionadas e, depois de uns dias, as conseguimos gratuitamente
de uma senhora muito simples que era tida como louca. Que ironia, não?!
As ruas eram todas de terra.
Morávamos no Parque 7 de Setembro e estudávamos na E.E.P.G.João Ramalho",
que na época era localizado na Avenida Antonio Piranga, onde hoje é E.E.
"Professor Francisco Daniel Trivinho". Lembro-me que quando meu irmão
primogênito passou para a quinta série, mamãe , como sempre fazia conosco, ia
levar-me de manhã para a escola e buscava-me, pois o percurso era longo e muito
deserto. Á noite fazia o mesmo percurso
e por inúmeras vezes fomos perseguidos por pessoas mal intencionadas. Nesses
momentos tínhamos que correr e correr muito. Outro fator complicante à nossa
ida para a escola é o fato da rua não ter asfalto e quando chovia muito, acontecia de perdermos
nosso calçado na lama da rua, principalmente quando a prefeitura mandava passar
o trator na rua. Diziam que era para melhorá-la, mas até que ponto ainda não
sei, embora gostássemos de ver este trabalho.
Papai sempre cônscio de suas
responsabilidades, trabalhava o dia inteiro e quando saia do serviço ia para as
reuniões do partido ou para campanhas. Quando estava em casa lia bastante.
Sempre o via concentrado na leitura de um livro, de uma revista ou um jornal.
Acredito
que isto foi-me de grande valia, pois aprendi a amar as Letras, mas não da
cartilha, não gostava daquele monte de palavras não contextualizadas. Ficava a
pensar: "O que tem a ver essas palavras uma com a outra- bola, barriga,
babá, boi...? Eu queria aprender a ler coisas interessantes, como as obras de
literatura infantil, os livros que papai lia... . Mas isto será assunto tratado
em outro capítulo.
A
luta de papai pela melhoria das condições de vida de nosso bairro e da cidade
Como já foi relatado acima, a rua em que foi começada
a construção de nossa casa não tinha energia elétrica domiciliar para atender
as necessidades dos moradores que compraram propriedades na Rua Coimbra e em
outras do mesmo bairro, Parque Sete de Setembro.
Diadema tinha se emancipado de São
Bernardo do Campo em 1960 e não tinha iluminação pública na maioria das ruas,
não tinha água encanada, serviço de coleta de esgoto, os transportes coletivos
eram precários. Enfim, tudo estava para ser conquistado dos poderes públicos,
tanto local, como estadual e da União. Papai começou sua batalha nestas
conquistas e a primeira foi da energia elétrica para a nossa rua, pois ela estava mais próxima da Avenida Alda.
Para isso teve que procurar todos os donos dos terrenos, que na sua maioria não
residiam em Diadema, pois haviam comprado as terras esperando sua valorização
ou por dificuldades econômicas ainda não tinham conseguido construir naquela
época.
Para obter as melhoras na região,
papai lutou pela formação da Sociedade Amigos do Bairro do Parque Sete de
Setembro. Essa iniciativa foi relativamente facilitada pela falta total da
estrutura habitacional, não só no bairro como em todo o município. Muitas
pessoas de outros bairros apoiaram a organização da Sociedade Amigos do Bairro.
Futuros candidatos a cargos executivos e legislativos. Os moradores mais velhos
logos se interessaram pelas reuniões e viram nesta luta a possibilidade de
encaminharem suas reivindicações, e, também, ,puderam ter ali um local de
lazer, pois o primeiro presidente colocou um salão de sua propriedade à
disposição para que fossem realizados bailes nos fins de semana. À medida que
se conseguia conquistar a extensão da energia elétrica na Rua Coimbra, a
Sociedade ganhou mais confiança em si mesma, embora, com alguns atropelos. Pois
alguns achavam mesmo que a diretoria poderia conquistar tudo automaticamente e
tiveram suas ilusões abaladas, entretanto a diretoria foi tocando.
Quando chegamos em Diadema, papai
conheceu AMARO CAVALCANTI, que vinha procurando organizar as sociedades amigos
de bairros e isso facilitou a realização de reuniões para discutirem em
conjunto as reivindicações dos bairros. Isso os levou a lutar pela criação dos
plenários das sociedades, como não poderia deixar de acontecer, em um município
carente de toda infra-estrutura, levou as autoridades a verem nisso uma
interferência no encaminhamento das necessidades municipais. Por
conseguinte, aqueles que exerciam cargo
de vereadores e o próprio executivo não podia ou não queria admitir as
reivindicações como resultado normal da necessidade do povo e alguns deles
passaram a ver o movimento como sendo coisa de comunistas. Mas ainda assim,
eles continuaram o trabalho de reforçar plenários das sociedades.
Nesse ínterim papai foi convidado
para ser o responsável pela sub-sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo e Diadema. Ele foi contratado pela diretoria, devido sua
experiência na luta sindical travada na capital de São Paulo. Ao aceitar este
cargo começou mais uma experiência de luta contra os inimigos do povo
brasileiro.
Mais um relatório do DOPS
"Em relação nominal, datada de 07/02/1963, de
indivíduos que adquiriram livros de propaganda subversiva na Livraria das
Bandeiras nesta capital, consta JANO
RIBEIRO - Rua Barão de Itapetininga, 93, nomes extraídos das duplicatas.
Conforme Boletim de Ocorrência datado de 04/08/1963;
DOPS, JANO RIBEIRO, qualificado acima, comerciário, fiscal do Sindicato dos
Metalúrgicos e encarregado da Sub-Sede de Diadema, juntamente com outros
indivíduos, foi detido e indiciado em inquérito policial por distribuição de
panfletos na fábrica da Willis e da Mercedes Bens, em SÃO BERNARDO DO CAMPO.
Em
relatório reservado de 5/963, sobre a eclosão de greve geral nos meios
sindicais, consta que os líderes comunistas do ABC estiveram reunidos,
inclusive o cripto-comunista JANO RIBEIRO. Essa foi uma reunião dos dirigentes
sindicais, para garantir o pagamento do 13º salário, obrigando as firmas a
estenderem a todos os salariados (pois ainda não tinha a força de lei)."
Eles lutavam contra aqueles que não queriam pagar o
13º onde participaram de forma destacada
os trabalhadores que estavam exercendo o mandato de delegados sindicais nas
empresas do grande ABCD. Isso levou mais uma vez o DOPS a tentar transformar
uma reivindicação justa em caso de comunista, o que não seria de se
surpreender, pois a maioria das indústrias de 1963 eram ligadas as montadoras
de carros.
Papai
e Luiz Carlos Prestes
Do dia 19/07/1963, papai esteve a serviço da direção
estadual do PCB. Até o fim daquele ano.
Por estar à disposição da direção
estadual, depois de um bom tempo, foi designado para desempenhar a tarefa de
acompanhar o secretário da Direção Nacional, LUIZ CARLOS PRESTES, que nessa
época morava no bairro de Vila Mariana. Depois de algum tempo, meu progenitor
pediu afastamento dessa tarefa, pois os gastos com manutenção não estavam dando
para suprir suas despesas. Ele conversou isto com a esposa de PRESTES, que passou a informação ao seu cônjuge, o
qual autorizou papai a deixar esta tarefa. Mas ele sentiu-se muito honrado por
ter recebido esta incumbência, a qual lhe foi comunicada por RAMIRO LUCHESI, um
grande profissional e intelecto que marcou bem a profissão de
"STALIN" e a assimilação da doutrina marxista leninista.
Por meio desta tarefa, pôde papai
entrar em contato com os dirigentes do partido, bem como de várias pessoas da
intimidade do "camarada" PRESTES. Sua tarefa terminou um pouco antes
dos agentes do imperialismo americano mostrarem, mais uma vez, que não têm
respeito pelos direitos humanos. Eles invadiram a residência de PRESTES, não
respeitando o seu lar e nem os direitos humanos de seus familiares. Estas lhes
eram atitudes pertinentes todas as vezes que alguém se colocava contra seus
interesses. Portanto, era necessário estar sempre preparados para autodefesa e
não ter ilusões de classes.
Papai entrou para o Partido após a
leitura do Manifesto de 1950, sendo que seu ingresso foi em 1954. Acompanhou
todas as mudanças da linha política e, como já foi transcrito antes, passou a
ler muito sobre a doutrina. Por esse motivo, quando foi dado o golpe militar em
01 de abril de 1963 e o conjunto da Direção ainda tinha ilusão de uma
possibilidade de resistência das forças ligadas a GOULART, via comandante do 1º
Exército de AMAURI KRUEL, a mesma não poderia ocorrer, com de fato não se deu.
O pessoal do ABCD tentou levar os trabalhadores para a greve, mas não tiveram
respaldo por parte dos mesmos trabalhadores. Isso levou papai a falar com o
secretário do Sindicato dos Metalúrgicos, pois, nessa época, além de membro do
Partido, ,ele era seu funcionário. Mostrou que ele não deveria ter mais ilusão
de resistência ao golpe militar, deveria ter cuidado com sua atuação e preparar
o terreno para recuar, organizado. Parece que ele não aceitou a consideração de
papai e deu oportunidade para os agentes do imperialismo, ao invadirem o
sindicato, levarem tudo que tinha em sua gaveta, pois eles a arrombaram. A
partir desse momento começa vida na clandestinidade total.
Essa foi uma fase muito difícil para
nossa e tantas outras famílias. Mamãe, meu irmão mais velho e eu passamos a serem
atormentados altas horas da noite pelos seus agentes que queriam saber do
paradeiro do papai e muitas vezes tínhamos que fugir de madrugada para casa de
parentes ou amigos, pois eles nos ameaçavam com prazos para que mamãe dissesse
onde estava o papai, pois caso contrário eles levariam meu irmão mais velho
para ser torturado até papai se entregar. Ficamos muito tempo sem saber do
paradeiro do papai e, é claro que, ainda
que soubéssemos, não iríamos dizer. Entretanto, não poderíamos ficar esperando "os
homens" (que é assim que o chamávamos e já os conhecíamos pelas botas)
voltassem e levassem meu irmão. Então, mamãe só tinha uma saída: decidida a
defender os filhos e o marido, fugia
conosco. Muitas vezes só carregávamos a roupa do corpo, passávamos um tempo
fora, que podiam ser dias, semanas, meses ou anos. Voltávamos e fugíamos de novo... O caro leitor sabe o
quanto é duro para uma criança, e mesmo para um adulto, não poder ter uma
estabilidade em relação ao lar, a escola e nem às amizades, pois além de termos
de quebrar repentinamente o contato com
os colegas de escola e amigos, não podíamos nos dar ao prazer de fazermos novas
amizades em nossos novos e instáveis logradouros, pelo motivo de nos manter
calados o maior tempo possível.
Quando recebemos uma visita dele não
estávamos morando em Diadema, depois de um tempo ele foi morar conosco e se
afastou novamente e nos voltamos para Diadema. No dia 25/03/1966 nasceu meu
irmão caçula, Cássio Lopes Ribeiro. Papai ficou afastado de Diadema até 1966. Ele
não poderia se expor, pois o seu relacionamento com o Partido era intenso,
assim como com os trabalhadores da região do Grande ABCD. Como não sabia até
que ponto poderia agüentar as torturas, para evitar problemas maiores, ele
preferiu ficar na clandestinidade e isso foi positivo, pois a ditadura matou,
torturou, exilou, cassou mandatos... Enfim, fez tudo o que o imperialismo
mandou para tentar se impor pela força das armas em seu domínio no país
assustado com sua barbaridade. Quando ele voltou para casa conheceu meu irmão e
também comprou a primeira televisão e geladeira para a família. Foram momentos
de grande alegria para a família.
Eu
e a História
Comecei a cursar a primeira série do primeiro grau,
naquela época denominado primeiro ano primário com sete anos completos. Quando
estava a cursar a segunda série, no ano
de mil novecentos e sessenta três, precisamos nos mudar novamente e a
mesma foi feita uma parte em Diadema e a outra num bairro de Santana,
São Paulo, numa escola de madeira. Posso confessar que este foi o lado bom
desta mudança, pois a minha professora no início da segunda série era a mesma
que havia me dado aula no primeiro ano, a qual que vivia me dando regüadas na
mão por eu ser canhota e eu, é claro, não entendia e detestava isso. Odiava a
tal ponto, que um dia, quando ela assim procedeu, arremessei contra a mesma meu
lápis, borracha e em seguida o estojo. Minha mãe foi chamada à escola e passou
a informação ao papai que não me puniu, pois entendeu a minha reação. Bem, mas
vamos à segunda fase da minha segunda série...
Minha professora chamava-se Meire,
era muito enérgica e, como de se esperar, havia sido educada nos moldes
antigos. Portanto, era conteudista e reprodutora da sociedade. Nessa época já
havíamos encontrado papai e nos mudamos para poder ficarmos junto dele. Pois
bem, como relatei acima, lembro-me claramente que papai, quando estava conosco
lia muito livros significativos, principalmente de História do Brasil (da
verdadeira História) e para nós ele lia os livros infantis do Monteiro Lobato
para crianças e eu, quando aprendi a ler, lia esta coleção do Lobato para crianças e alguns dos livros de papai.
Portanto não aceitava nem o conteúdo e nem a maneira como a professora tentava nos ensinar História do Brasil, que
era uma visão distorcida da realidade,
de uma maneira bem enfadonha e nada estimulante ou criativa, na qual tínhamos que decorar questionários com perguntas e
respostas já prontas do conteúdo que ela tentava transmitir e depois fazermos
as “provas” para verificarem se tínhamos assimilado o conteúdo. Só que eu não sabia me explicar que não era
aquilo que eu queria aprender, que estava tudo errado, e uma vez levei uma
surra de papai quando mamãe chegou com o meu boletim contendo notas vermelhas
em História. Mais tarde ele veio a entender o por que eu não ia bem em Estudos
Sociais, foi quando eu consegui
encontrar argumentos para explicar o
porquê de todo aquele conflito. Devo dizer também que papai, muitas vezes, me
chamava de Emília (referindo-se à Emília
do Sítio do Picapau-Amarelo), a princípio fiquei meio chateada, achando que ele
referia-se apenas à minha teimosia, mas depois entendi que era a minha maneira
questionadora de ser e gostava, pois realmente sempre achei que as coisas
mereciam maiores explicações e não aceitava as respostas simplistas como:
"Porque sim" ou "Porque não". Inúmeras vezes meus
professores mandavam-me calar a boca e parar de fazer tantas perguntas.
Agradecimentos
Papai agradece a todos os que lhe deram abrigo durante
o tempo que esteve fora de Diadema e cita:
"Dando continuidade a minha memorização
política, gostaria de agradecer todos
que me deram abrigo durante esse tempo que estive fora de Diadema, que vai de
1964 a 1966. Isso permitiu que eu entrasse em contato com pessoas que não
tinham uma participação mais aberta em relação a nossa luta, porem tomavam
atitude corajosa dando abrigo a mim como a outros companheiros que estavam na
mesma situação de clandestinidade. Prova que
não estávamos lutando sozinhos, e
nossos ideais tinham apoio nas pessoas com sensibilidade humanista. Só uma definição política e ideológica poderia
levar essas pessoas a colocarem em risco os seus lares, nos dando abrigo. Isso
veio consolidar meus conhecimentos sobre a reação dos seres humanos. No meu
caso específico, recebi abrigo de pessoas que não eu não conhecia e que se mostraram tão solidárias, que eu
fiquei até assustado, pois conhecendo as sanhas do imperialismo, manifestadas
em todo o Mundo Ocidental
"Cristão" , que para mim é um acinte ao cristianismo, essa maneira de
dizer ocidental cristão. Pois, bastaria dizer região onde prevalece o individualismo, como doutrina oficial e
oficiosa, zona em que a propriedade dos meios de produção é particular e o povo
deve se submeter a todas dificuldades, não terem terra para plantar, não terem
escolas, não terem alimentos, saúde, direito ao lazer... enquanto o
imperialismo gasta bilhões de dólares para ampliar seu pseus ideais tinham
apoio em pessoas sensíveis e humanistas.
Candidatura
do papai
"Em 11/10/1963 o Sr. Delegado de Polícia de
Diadema solicitou informação a respeito do epigrafado, constando àquela
delegacia estar investigando as suas atividades, visto ser candidato a vereador
naquele município pela legenda do PSD, líder sindical dos metalúrgicos, tendo
em vista a sua participação em movimentos grevistas."
As considerações de papai:
"Como pode se deduzir, este é mais um relatório
do famigerado DOPS, agentes do imperialismo dos EUA, outra vez, tentando
intervir na resolução que deveria ser soberana, pois a representação política é
um direito humano, não pode ser roubado do povo esse direito. Portanto, em nome
do papel de polícia que o imperialismo americano, auto se determinam, tentam
passar por cima da própria lei eleitoral, pois somente ela deveria registrar o
candidato escolhido pelo partido político, tentando determinar quem pode e quem
não pode ser candidato”.
Nessa experiência papai contou com a participação dos
companheiros do movimento sindical e teve uma votação expressiva, mesmo não
atingindo o quorum eleitoral, pois antes de terminar a apuração dos votos foi
cumprimentado por todos que sabiam que tinham disputado o cargo de vereador.
Lembro-me que naquela época papai fazia em casa, com ajuda da mamãe, a cola para colar os
panfletos nos postes e, como trabalhava durante o dia, saia à noite, com os
companheiros, a colar os panfletos nos postes e algumas vezes conseguíamos ir
juntos e, tanto eu, como meu irmão mais
velho, adorávamos vê-los fazerem aquilo.
Recordo-me, nitidamente, também que no dia da eleição, um vereador do
partido conservador de extrema direita, o senhor "Juarez Rios de
Vasconcelos", ousou fazer uma crítica negativa referente ao papai, em público
e na frente da mamãe. Ah, mas esta disse-lhe poucas e boas. Acredito que isto
deva ter servido de lição, pois nunca mais tivemos informação de qualquer
crítica por parte deste, pelo menos em público.
Exultei com a atitude de minha genitora, pois que ela tinha certeza que
se papai era um homem íntegro e com um grande ideal. Mamãe tem só um metro e
meio de altura, mas quando se tratava de defender papai ou alguém da família...
Globalização?!?!?!...
Papai pôde perceber com essa experiência que "os trabalhadores ainda não estão convencidos
da necessidade de participar da vida dos partidos políticos, mesmo no movimento
sindical. Que não era e ainda não é uma participação como deveria ser para
avanço das lutas populares que levarão ao comunismo.
“O capitalismo internacional, está passando pela sua
fase superior, como nos ensinou LÊNIN, o período do imperialismo e essa dita
Globalização é o nome que os representantes dos partidos sociais democráticos
deram ao imperialismo. Uma das formas mais variadas que o capitalismo usa para
tentar enganar as massas. Tenho a certeza de que o capitalismo estatal, não
deva ser uma bandeira dos partidos de classe
e, alguma falta de experiência do movimento de massas, permitiu aos
agentes do imperialismo americano montarem um processo contra o partido. Usando
a tortura e o assassinato, eles conseguiram o que não tiveram possibilidade de
fazer no golpe militar, ou seja, tentar destruir o PCB. Pois o partido, depois
que percebeu que tinha passado por uma fase de ilusão de classe recuou
organizado e foi trabalhando para ganhar a opinião das forças que poderiam
derrotar os golpistas. O PCB, é um organização que tenta fazer da experiência
da ciência, em todos os campos, o seu método de análise para suas atividades.
Portanto, não se poderia ter dado essa oportunidade. Os companheiros que não
entenderam, confundiram o trabalho sindical e o do partido, deixando brecha
para o inimigo, que sempre estará infiltrado nas organizações de massa, cujo
papel é dividir, intimidar, radicalizar teoricamente para tentar apavorar as
massas e ao mesmo tempo localizar o partido. Uma questão que o imperialismo não
admite: que os homens são dotados de capacidade de pensar. Nós teremos sempre
uma saída para lutar pelo comunismo, pois estamos a favor do desenvolvimento
humano e dos seus direitos. Portanto, o imperialismo pensa que pode passar por
cima das consciências. Ele tenta intimidar o povo com suas armas nucleares e
toda parafernália militar. Não necessitamos que os seus agentes venham nos
dizer o que deve ser bom para nós. Sendo nossa doutrina coletivista, ela só
poderá ser implantada pela luta das massas”.
As ausências
e a presença de papai em minha vida
Quando fiquei noiva, no ano de 1976, papai estava
novamente preso e não pode participar daquele momento. Casei-me em 1978, mas,
por diversos motivos, em 2011precisei separar-me e contei com a ajuda do papai
para pagar uma advogada e logo depois de um tempo contei com o apoio dele para
fazer minha especialização em Literatura Infanto-Juvenil. Ele tem sido meu
esteio tanto no incentivo aos meus planos de evolução intelectual como
material.
PCB
Sabe-se que a ditadura no país
começou a ser extinguida 1984, mas muitos cidadãos ainda sentiam o peso dela e
foi extinguida oficialmente em 1988 (será?) Mesmo após a anistia, meu pai
continuou atuando na política com muito empenho e em favor de um país melhor,
pois muitas coisas ainda precisam ser modificadas para que o povo possa ter um
vida digna.Vou transcrever aqui as últimas colocações que ele fez no documento
que me deu:
“Vou encerrar essa minha memorização, e colocar mais
uma vez o que acho como poderemos marchar para o comunismo:
1º) Devemos lutar com o proletariado internacional,
para que seja posto fim nas armas nucleares e o desarmamento total;
2º) Que cada partido comunista procure fazer sua luta
local, sem esquecer o internacionalismo proletário;
3º) Aqui no Brasil, proponho que lutemos para ser
demarcada as terras dos Índios, junto com a reforma agrária, apoiando
integralmente os companheiros do MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA.”
Até o final do ano passado, papai ainda
participava de movimentos em prol de povo brasileiro, mas, como a vida nos
apresenta situações que nos fazem interromper nossos planos, ele, devido ao
câncer, não mais está podendo atuar na vida política do país e nem mesmo participar
de compromissos corriqueiros.
Ele pretendia ir, em janeiro deste ano, à Islândia
para ter lições de cidadania e descobrir como o povo de lá derrubou o governo
sem sangue e conseguiu implantar uma constituição que realmente defende o dever
dos cidadãos daquele país. Entretanto, como eu já relatei acima, ele foi
proibido, pelo médico, de viajar e está com dificuldades até mesmo para
se locomover.
Eu também pretendia escrever um livro com a vida dele,
mas para isso teria que fazer viagens e pesquisas. Porém estou com problemas
sérios na coluna e mal consigo ficar sentada. Digitar esse finalzinho do meu
documento está sendo muito difícil, mas eu quero publicar essa pequena
homenagem ao papai enquanto ele está entre nós.
Peço desculpas a todos por algumas falhas e ao papai
também por algumas colocações distorcidas. Posso afirmar que tudo foi feito com
muito amor e dedicação e todos os fatos relatados são reais.
Papai completará 84anos no dia 29/04 e continua uma
pessoa honesta, justa e preocupado com o bem estar da família.